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Se fosse fácil...

Posted by Thais Roland on quinta-feira, junho 25, 2015 in , , , , , ,
Soldando uma peça de DKW na oficina
Às vezes tenho um pouco de medo de influenciar as pessoas. Tenho plena consciência de que sei muito pouco sobre a vida e de que tudo o que faço tem um fator de incerteza envolvido que é sempre assustador.

Quando apareço em revistas ou na TV falando sobre como "larguei tudo" pra fazer o que amo tenho bastante medo de acabar incentivando alguém a fazer alguma coisa completamente no escuro.

Neste ponto é importante dizer que tenho uma parte covarde muito grande e forte, que é o que me impede de fazer muitas loucuras que passam pela minha cabeça.

Hoje o post vai ser longo. Vai ser assim porque resolvi contar a parte que a mídia não gosta de me perguntar porque não é tão "vida louca" como eles queriam que fosse, mas que pode ajudar de forma menos suicida as pessoas que querem fazer alguma mudança drástica como eu fiz.

Precisei decidir minha vida profissional com 17 anos, ao escolher o curso que faria na Universidade. Isso é normal. Quase todo mundo faz assim e quase todo mundo erra, afinal de contas, o que sabemos aos 17 anos? Nem mentir pros nossos pais nós sabemos com essa idade, apesar de acreditarmos que estamos nos saindo maravilhosamente bem na façanha.

Queria ter feito Física, mas fui convencida a escolher alguma coisa com a qual eu também me identificava e que ia me dar um emprego mais fácil. O discurso era: escolhe alguma coisa pra ganhar dinheiro primeiro e depois você faz o que gosta.

Acreditei nessas palavras sem pestanejar.

Comecei o curso de Ciência da Computação e no segundo ano consegui um estágio dentro da própria escola. Me saí bem, comecei a fazer cursos de especialização (Hardware e Linux, a título de curiosidade para os entendidos) e, no último ano da faculdade, surgiu a oportunidade de trabalhar em uma provedora de Internet. Foi meu primeiro emprego com carteira assinada, eu tinha 20 anos e estava muito feliz com a conquista. Cuidaria dos servidores (dois NTs e três Linux) da empresa mantendo o DNS no ar, criando e mantendo contas de clientes e essas coisas.

Perto desta época meu avô tinha falecido desintegrando uma parte da família. Isso me fez repensar muitas prioridades e achei que já estava na hora de partir para realizar meus sonhos. Na minha cabecinha burra de 20 anos eu já tinha alcançado o sucesso profissional e já podia me dar ao luxo de fazer o que me desse prazer. Me mudei pra São José dos Campos e comecei a assistir as aulas da turma de mestrado em Astrofísica no INPE.

Claro que eu ainda tinha que me sustentar, então peguei umas aulas no Senac pra me manter enquanto corria atrás das estrelas. Essa também foi uma oportunidade de ouro na minha vida. A pessoa que me contratou confiou em mim e me encheu de coragem pra entrar numa sala cheia de adolescentes que não estavam assim tão ávidos pelo conhecimento e eu os tinha que convencer de que aquilo tudo era importante e legal.

Me dei muito bem ensinando e, ao mesmo tempo, descobri que a vida de pesquisa acadêmica era muito menos romântica do que eu imaginava.

O Senac investiu muito em mim. Me especializou (em Linux e em Cisco) e eu comecei e ministrar cursos cada vez mais específicos, mais importantes e ser mais conhecida no mercado, o que também me deu algumas oportunidades interessantes em empresas grandes do ramo.

Nesse meio tempo eu me casei...

Um belo dia eu estava no trabalho, meio naquele período mais calmo, vendo coisas aleatórias na Internet e me deparei com um anúncio sobre o Salão do Automóvel. (dá pra presumir já que as tais "coisas aleatórias" eram referentes a carros, né? hehehe)

Resolvi ir. Ninguém topou me acompanhar, então fui sozinha. Mochila nas costas, música nos fones de ouvido, peguei o metrô, depois o ônibus do Anhembi e entrei no Salão. Respirei fundo, saquei o celular com a câmera de fotografias ligada e comecei minha diversão. E foi mesmo muito divertido! Nessa época eu ainda não sabia muito sobre carros além de que gostava muito deles. Me encantei e decidi que precisava conhecê-los melhor.

Depois de tanto tempo dando aula eu já sabia que um bom estímulo para estudar sobre carros seria ter que explicar o que li depois pra alguém. Ainda dentro do ônibus do Anhembi, voltando para o metrô, tive a idéia do blog e o nome Coisa de Meninos Nada. Pareceu tudo perfeito! Cheguei em casa e já criei tudo e escrevi e primeiro post.

Acalmou meu espírito por algum tempo mas, por outro lado, despertou alguma coisa mais intensa que eu ainda não sabia exatamente o que era.

Mais um tempo se passou e uma amiga veio me contar, toda empolgada, que descobriu que o curso técnico do Senai era gratuito! Como eu nunca tinha pensado ou ido atrás disso? Era genial! Fui olhar e vi que tinha que fazer uma prova de seleção e pronto, já tava dentro.

Aí parei pra pensar um pouco e me lembrei que não via aquelas coisas que cairiam na prova de seleção há mais de 10 anos! Dei com os ombros e fiz minha inscrição.

Passei na prova como se aquilo fosse mesmo o meu destino. Português nunca foi um problema. Matemática, desde que aprendi a usar regra de três, a vida deixou de ser um mistério (tirando o Amor, o Amor ainda é um mistério infindável e delicioso. hehehe). Foi bem tranqüilo e deu um friozinho bom na barriga quando fui efetivar minha matrícula.

Até então eu continuava empregada numa, agora, multinacional e estava encarando o curso como um hobby que ia me salvar da depressão da vida.

Me sentia tão bem no Senai que chegava na escola às 19h e cumprimentava todo mundo com "Bom dia"! Todo mundo estranhava, mas, pra mim, era mesmo ali que o dia realmente começava.

No emprego eu já estava há meses pedindo para o meu diretor me demitir. Ele vivia se negando e dizendo que eu devia esperar um pouco mais. Em casa meu prazer era pegar a cachorra pela compridezinha dela e sair correndo atrás do cachorro como se ela fosse um avião perseguindo ele. Eles também se divertiam bastante com isso!

Numa manhã de sábado me caiu a ficha de que meu casamento já tinha mesmo acabado há anos e que eu estava me auto-flagelando permanecendo ali. Pedi a separação e saí de casa.

Um belo dia, chego no trabalho e descubro que meu diretor tinha se desligado da empresa! Saiu pra montar uma floricultura! Pensei imediatamente: japonês sem vergonha!!!! Eu tinha acabado de assinar os papéis do divórcio e um mês depois a nova diretoria me demitiu! Pense num timing péssimo!

Agora sim eu tava em maus lençóis! Ainda assim, me peguei sorrindo ao assinar os papéis da demissão.

Voltei pra casa naquele dia pensando no que ia fazer agora. Senti um desespero, depois um alívio, depois esperança, depois desespero novamente, depois resolvi comer um chocolate.

A indenização pela demissão foi gorda o suficiente para que eu pudesse passar 15 maravilhosos dias em Paris, sem me preocupar com as questões da vida. E foi ali que decidi que não voltaria de imediato para outra empresa de tecnologia. Ainda tinha o seguro desemprego e fôlego para me aventurar de leve no mundo automotivo.

Voltei para o Brasil com muitas propostas de emprego em empresas concorrentes da que eu havia saído e de outras em ramos um pouco diferentes e até mais respeitadas ainda. Recusei todas. Fui procurar um dos professores do Senai pedindo uma orientação pra conseguir um estágio.

Dias depois estava estagiando na oficina de outro professor do Senai. Aprendendo um monte de coisas, me sujando horrores e me divertindo ainda mais. Esta foi outra oportunidade de ouro na minha vida! O cara acreditou em mim e me ajudou demais, ensinando e me abrindo a porta do mundo das oficinas.

Quando o estágio estava quase terminando recebi uma proposta muito interessante de outra empresa do ramo automotivo, e depois mais outra de uma multinacional! Decidi colocar fim na minha carreira em tecnologia e levar a sério a área automotiva como profissão.

Fui escrever sobre carros pra um site especializado, voltei para uma oficina, comecei a fazer vídeos pra Internet sobre carros, apareci em uma grande revista e acabei no lugar que eu sempre imaginei: entre os carros antigos, trabalhando com eles e ensinando sobre eles.

É muito importante parar aqui pra ressaltar algumas coisas...

Primeiro que não fiz nada "na orelhada". Eu tinha alguma segurança para me arriscar desta forma. Se algo desse errado era fácil ainda voltar para os malditos datacenters e continuar com a minha vidinha.

Segundo que não foram só rosas. Me apertei financeiramente, precisei de uma ajuda temporária (bem temporária mesmo, mas ainda assim foi necessária) dos amigos e passei por alguns momentos em que foi realmente necessária a certeza do que estava fazendo pra continuar.

Neste meio tempo, a aquisição do Maverick e de uma sequência de tatuagens me renderam dores de cabeça com a família que eu achei que jamais aconteceriam... A vida jogando na cara que a gente não sabe nada sobre ela.

Eu demorei muito pra tomar essas decisões... anos... o que me faz ter a mim mesma como uma covarde medrosa, mas talvez isso tenha sido necessário para que eu tivesse sucesso... ou eu apenas sofri por mais tempo mesmo...

Ver o hobby se tornar minha vida foi uma das fases mais maravilhosas pelas quais passei (e estou passando, porque não imagino que esta alegria vá terminar nunca), mas é muito importante lembrar de como foi difícil, principalmente emocionalmente, chegar até aqui.

Muita coisa continua quebrada pelo caminho e, assim como o meu Maverick, vou restaurando tudo com calma, no tempo certo e da maneira certa. Mesmo que pareça ter abandonado algumas partes, elas estão aqui, na minha cabeça, cozinhando, aguardando a melhor solução.

Enfim, tudo o que eu queria dizer com toda essa embromação é que se tem alguma coisa que você quer mudar na sua vida, mude! Não porque eu estou dizendo ou porque você viu o que eu fiz e decidiu fazer também, mas porque isso vai fazer você ficar bem consigo mesmo e só consigo mesmo, que é o importante. Se a opinião dos outros faz diferença pra você, tentar mudar só vai te fazer ficar pior, mas se o que importa é o que você quer da sua vida, vale a pena tentar.

Boas decisões e até a próxima!

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