A vida toda fui meio menino. Quando era criança meus brinquedos eram, em sua maioria, carrinhos e eu adorava me divertir com eles, especialmente com um Maverick de plástico que vinha com alguns outros carros numa cegonheira. Ainda tenho esse carro. Ele me acompanhou por toda a minha vida. Estava sempre nas malas da mudança comigo e hoje dorme na mesma cama que eu.
Nasci numa época em que as ruas eram repletas de Fuscas, Opalas, Passats, Corcels, Monzas, Chevettes, Kombis, Gols quadradinhos e essas coisas. Nesse tempo era muito comum os donos mexerem nos seus próprios carros quando o reparo necessário era alguma coisa simples, como trocar/regular um platinado, por exemplo. Aliás, naquele tempo o povo fazia de tudo em casa, nunca vi meu pai chamando ninguém pra trocar uma resistência de chuveiro, arrumar a instalação elétrica ou hidráulica da casa. Meu pai fazia isso, meu avô fazia, alguns dos meus tios... e eu estava sempre por ali, xeretando...
Além disso, meu avô sempre foi louco por ferramentas. Tinha um barracão em casa entupido de coisas legais... chaves, furadeiras (inclusive uma de bancada que eu sempre achei o máximo), morsas, um compressor, serras... tinha de tudo ali! E era onde eu passava todas as minhas tardes, depois de voltar da escola, até meus pais chegarem pra me buscar.
Essa tralha toda ficava na casa do meu avô porque ele curtia mesmo e vivia chegando com algum “brinquedo” novo, mas imagino que ele precisasse justificar a posse daquele monte de coisas (hoje sei bem como funciona essa coisa de casamento) então arrumava e pintava carros e geladeiras na garagem. Mais uma vez, eu ficava lá acompanhado tudinho (inclusive me coçando toda por causa da lã de vidro que desmontávamos das geladeiras) e ajudando. Ajudava a desmontar coisas, lixar coisas, desamassar coisas e, o mais divertido de tudo, encerar os carros no final!
A vida me tirou de perto do meu avô, fez eu me meter com tecnologia, tirou meu avô da minha vida definitivamente e empacotou meu lance com carros por um tempo. Mas a gente sabe como paixão funciona, né? Demorou um pouco, mas quando ela foi desempacotada voltou a fazer parte da minha vida com toda força!
O primeiro passo foi começar a escrever sobre carros, bem amadoramente. Criei um blog (este aqui que você está lendo agora. hehehe) e me divertia postando fotos e fatos de carros que eu curto. Adorei tanto a brincadeira que resolvi fazer um curso de mecânica e levar o hobby um pouco mais a sério. Entrei no SENAI e comecei o curso Técnico em Manutenção Automotiva.
Conheci um monte de gente legal! Aprendi um monte de coisas impressionantes e apaixonantes sobre meus objetos de afeto sobre rodas e vi um mundo novo surgindo diante de mim! Da noite pro dia as coisas pareceram claras pra mim: eu precisava transformar aquilo na minha vida.
A paixão por Mavericks me acompanhou por todo o tempo, mas eu nunca achei que teria um. Na verdade, nem pensava muito nisso... parecia impossível demais então não me iludia. Mas sempre que pensava em carro dos sonhos eram as linhas do Maverick que me vinham à mente e um sorriso se estampava no meu rosto automaticamente.
Numa certa altura do campeonato, estava eu, feliz e contente, já me sujando de graxa e achando tudo o máximo, quando ele apareceu na minha vida! No caminho pro trabalho tive que sentar do outro lado do ônibus (tenho umas manias com relação a padrões, mas isso não vem ao caso agora) porque ele já estava meio cheio e, de repente, no meio do caminho, avistei um Maverick estacionado numa outra oficina, com uma placa de VENDE-SE.
Enlouqueci durante alguns minutos dentro do ônibus! Me recompus e tentei esquecer.
Impossível! No dia seguinte, sentei novamente “do lado errado” do ônibus, na esperança de ver o carro mais uma vez. E no outro dia. E no outro também... Até que não agüentei e desci do ônibus pra ir lá ver de perto.
Ele estava horrível! Era preto, mas a pintura estava tão queimada que parecia envelopado. Não funcionava, segundo o responsável pela oficina, por causa de um tucho quebrado e o interior, oh, meu deus, o interior... todo branco, novinho, parecia o carro de um cafetão.
Era um carro que deveria afugentar qualquer um que tivesse um resquício de sanidade, mas eu fiz uma coisa muito errada naquele dia... encostei no carro. Encostei nele e a mágica aconteceu. Não foi nada demais... foi apenas uma colocadinha de mão no teto dele, mas foi o suficiente pra ele me enfeitiçar. Sentir a lata dele tocando minha mão foi... foi... tudo o que eu sonhava. Ele era tudo o que eu poderia imaginar na minha vida e não importava o fato de ser um péssimo negócio... minha alma gritava: LEVA ELE!!!! E meu bolso suplicava: PEDE PRA ALGUÉM TE DAR UM TAPA NA CARA!!!
Negociei durante meeeeeeses com o dono do carro, até que ele me vendeu meu sonho! No dia que fomos ao cartório para transferir os documentos eu chorei! Eu tinha um Ford Maverick e ele não era mais de plástico!
Pouca gente sabe, mas era pra ele se chamar Kevin. Era o nome mais americano que eu podia pensar para o meu muscle car. Mas um amigo, numa noite de cervejada, sugeriu Damien. “É o nome do filho do demônio no filme A Profecia!”, ele disse. Não poderia ser mais perfeito! Assim ele foi batizado! Damien.
Até hoje gasto o que tenho e o que não tenho com ele. Comprei um carro realmente péssimo e isso não me incomoda nem um pouco! Pelo contrário, é meu laboratório, minha escola e minha terapia. Ando sem tempo pra mexer nele e isso me incomoda um pouco, mas só de saber que ele está ali e é MEU, me enche os olhos de lágrimas.
Não há um dia sequer que não me lembre do meu avô. Tudo o que acontece hoje na minha vida, com relação aos carros é pelo que passei com ele quando criança. Nunca tive nenhum outro tipo de estímulo com relação a isso senão por ele e, poxa vida, como sou feliz hoje! Sendo mecânico fêmea e tendo meu próprio Maverick do inferno!